terça-feira, 16 de agosto de 2011

Noticias


A organização de grupos de epilepsia estimula a criação de políticas públicas
Por Juliano Sanches (ASPE Brasil)

A aceitação da própria condição pode determinar a conviabilidade da pessoa com epilepsia 


O Orkut, o Facebook, as listas de discussão e o Twitter, cada vez mais, têm sido usados entre as pessoas com uma finalidade de interação, troca de informação. As mulheres grávidas, os pacientes com câncer, entre outros, são exemplos de uma teia de grandezas, que pode interferir em muitos aspectos da vida em sociedade. Podem colaborar com a troca de informação científica, a organização e a exposição de atividades em grupos, a divulgação e a indicação de instituições públicas e privadas de tratamento, a geração de pautas sobre a resolução de conflitos a partir da convivência com a doença, a criação de confiabiabilidade e credibilidade para determinados pesquisadores e estudos.

Uma das principais comunidades do Orkut sobre o tema epilepsia, por exemplo, conta com cerca de 2250 membros, que podem ser, em alguns casos, os pacientes, as pessoas que convivem com portadores, além dos pesquisadores, que querem observar as discussões. Os internautas passam a perceber, por exemplo, que a epilepsia é uma condição neurológica tratável, e não uma doença contagiosa.

Com as discussões, os temas apresentados pelos veículos de comunicação são revisitados, reinterpretados com criticidade. E os pacientes passam, por exemplo, a pensar na reivindicação de políticas públicas, sociais e empresarias, para atender às necessidades do grupo em questão, enquanto pessoas engajadas e organizadas na construção e na cobrança por projetos por melhoria para a causa. Muitas comunidades citam a fonte das informações, ou seja, a origem dos dados científicos de instituições de pesquisa, o que ajuda a validar a veracidade das informações.

Muitos dos internautas usam as comunidades do Orkut com uma visão de profissionalismo, e não de futilidade. Entre os exemplos, estão as que discutem o Aquecimento Global, pois apresentam conceitos e se operacionalizam a partir do engajamento social. Entre as entidades que têm estimulado a participação social em função da geração de mudanças, está ASPE (Assistência à Saúde de Pacientes com Epilepsia). Mas, por outro lado, ainda há desafios a serem vencidos não só pela ASPE, por pesquisadores, e pelos internautas e pacientes engajados, mas por toda a sociedade. Um deles é a insuficiência de dados quanto ao número de pessoas com epilepsia em idade produtiva e ao de portadores em condição de desemprego.

Os pesquisadores do Departamento de Medicina Clínica, da Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro/RJ, Maria Rosa Silva Sarmento e Carlos Minayo-Gomez, no artigo A epilepsia, o epiléptico e o trabalho: relações conflitantes (2000), apresentam alguns números de uma coleta de dados que fizeram. Foram entrevistas 339 pacientes com epilepsia no período de fevereiro de 1995 a julho de 1996. 48% eram do sexo masculino, 27,6% eram analfabetos, 0,6% com cursos superiores, e 98,4% não tinham qualquer qualificação profissional. Chama a atenção o número de pessoas com epilepsia empregadas: 42,3%, dos quais apenas 15,7% no mercado formal de trabalho.

E, para mudar a situação, as entidades têm desenvolvido ações. A ASPE criou, por exemplo, o projeto demonstrativo brasileiro, que foi submetido, analisado e aprovado por um comitê internacional, em 2002, composto por membros de cada uma das organizações internacionais, responsáveis pela Campanha Global contra a Epilepsia. Existem quatro projetos demonstrativos no mundo: China, Zimbabwe, Senegal e, agora, o do Brasil. O projeto demonstrativo brasileiro teve o início oficial em 2002, e tem se tornado uma referência em visibilidade e conscientização sobre o assunto.

De acordo com o professor da (do Centro de Economia e Administração) Faculdade de Administração da PUC (Pontifícia Universidade Católica) – Campinas, Valdenir da Silva Pontes, “ainda é algo um pouco novo para o mundo do trabalho. Por exemplo, no período em que eu estive nas empresas como gestor de RH (Recursos Humanos), em nenhum momento, nós diretamente lidamos com demandas, situações, problemas originados pelas pessoas portadoras de epilepsia. Até porque é difícil a detecção”.
Segundo o professor, no momento que se sabe claramente que a pessoa é portadora de epilepsia, antes da contratação, a empresa pode, eventualmente, não admiti-la, por conta disso. Porque as Organizações, de modo geral, querem pessoas saudáveis, produtivas. E, se saber de antemão que a pessoa pode precisar se afastar do trabalho por alguns períodos – o que depende do grau da epilepsia, a empresa pode optar por não contratá-la, caso o exame clínico detecte isso. Vale lembrar que o exame clínico é parte do processo de seleção.

Valdenir faz uma ressalva sobre as atividades de risco. “Suponha, por exemplo, que a pessoa irá realizar uma atividade de risco, insalubre. Neste caso, faz sentido a empresa privilegiar uma pessoa totalmente saudável. Porque pode colocar, inclusive, em risco a vida do potencial funcionário. Imagine um eletricista, que tem que trabalhar no poste, a dez metros de altura, em situação de risco iminente. As pessoas com epilepsia têm que ter o autocontrole. E o empregador, muitas vezes, não sabe se o empregado tem tido esse autocontrole ou não. O empregador não sabe se ele tomou a medicação e se ocorreu uma crise em casa. Nós entendemos o lado da empresa. Mas, nós sabemos que as empresas que se negarem a contratar pessoas com epilepsia, correm o risco de sofrer sanções diante da justiça, se ficar patente a discriminação. E a recíproca também é verdadeira, ou seja, se eu admito a pessoa com epilepsia, e depois a demito em função disso, eu posso ter que reintegrá-la, por força da justiça. Portanto, isso não é razão para eu não admitir. E, por outro lado, eu tenho, também, a função, a natureza do trabalho (a periculosidade, a responsabilidade a ser desenvolvida, a insalubridade, entre outras questões)”.

Valdenir faz uma reflexão sobre o empregado com epilepsia. “Até onde eu sei – não sou médico –, é perfeitamente controlável, no ponto de vista do paciente. E, portanto, se é controlável no ponto de vista médico, a epilepsia não afeta diretamente a produtividade operacional e organizacional”.

Pontes analisa o papel dos governos. “sem dúvida, se os governos (municipal, estadual, federal) tivessem políticas públicas de saúde, que amparassem melhor as pessoas portadoras de epilepsia e AVC (Acidente Vascular Cerebral) e dessem, assim, uma retaguarda às empresas, de modo a propiciar a não-restrição a potenciais candidatos, eu acredito que poderia, sim, favorecer a contratação delas. O problema é que falta pesquisa”.

Conforme o professor, “se a pergunta fosse ‘por que as pessoas restringem a entrada de pessoas cadeirantes’, talvez, a resposta fosse outra. Isso não é o caso de epilepsia. Como a epilepsia não é uma doença facilmente detectável, talvez, falamos de um fantasma que não assusta tanto assim. E, por isso, falta verificação. Por que as empresas têm contratado PPNE’s (Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais)? Isso ocorre pelo fato do governo ter criado uma política obrigatória de contratação, para atender a um determinado número de PPNE’s, devidamente caracterizados. Por exemplo, por que os bancos e as demais empresas oferecem acesso privilegiado aos caixas e às instalações? Porque foram criadas políticas públicas, que obrigam as empresas a fazer isso, pois elas não iriam fazer isso naturalmente”.

A contratação da pessoa com epilepsia depende do debate entre a sociedade e as instituições políticas, jurídicas e de pesquisa. E a internet, em alguns casos, tem contribuído com a formulação de questionamentos. Nas comunidades do Orkut, os relatos dos pacientes ajudam a sensibilizar os demais, a ponto de colaborar com a diminuição do medo e do estigma, pois geram uma relação de identificação a partir das semelhanças. Estimulam a resiliência, ou seja, a resistência à pressão social.

Nenhum comentário: